“Let us consider that we are all insane. It will explain us to each other. It will unriddle many riddles."Mark Twain
Quadro: ANdrea Kowch |
Ponto de rotura. Na contenção do rosário dos dias desde há muito, soltaram-se os pássaros negros dos limites passados pela virtude. Sairam fogos-fátuos de morteiros escondidos nas pregas do desespero instalado, a pele pariu ouriços mortíferos e ela quedou-se, estática e surda, ante horizontes sem luz. Black out, secura, não sentir.
Choveu desolação das
abóbadas belas que ela olhava sem compreender, o ar corrompido por estalidos e
estilhaços, o ar rebentado por todos os lados como ela, exausta, fatigada de
mistérios e de crenças.
Meditou. E o milagre não
se operou...
Falou com outrem. E a
mudança não aconteceu...
Em mudez, enfiou o velho
casaco de pele e levou o outro doente a lanchar fora, numa pastelaria escondida
nalguma rua lateral da cidade provinciana.
Não sei
qual é o teu segredo, mas estás mais bela do que nunca. E o doente mirava-a com olhos húmidos, suplicantes de que regressasse
ali, aonde o ar saturado do cheiro do café e de croissants acabados de sair do
forno, os cercava como única solução possível. Detrás do balcão, uma jovem
prematuramente obesa, diligente e de avental às riscas, olhava-os por detrás
dos óculos pesados, com uma expressão de carinho e assumida cumplicidade,
alheada por momentos da sua própria miséria.
Cedeu. Acariciou por
momentos a mão trémula do outro doente, ajudou-o a comer o croissant que se
esfarelava de tão tenro. Começou a falar de trivialidades, Trump e o louco da
Coreia do Norte, o outro doente a procurar seguir o raciocínio e a concordar
com tudo. Deixou-o por minutos com a jovem gordinha e diligente para ir ao
Multibanco (esteja descansada, que eu
fico atenta), agradeceu depois.
No regresso ao carro,
amparou-o com um empenho mais sentido, era a hora em que o dia e a noite
compartem a mesma linha divisória, subtil e misteriosa.
A tensão começara a
aliviar. Vá-se lá saber porquê.
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