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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

PELO VALE DAS SOMBRAS


 Atravessamos o vale das sombras, eu e ele, de joelhos percorremos as veredas onde a vida já não corre e por onde chegaremos ao unico possível caminho enlutado do futuro.
Sei agora que já não há mais nada para salvar, a vida e a morte movem-se abraçadas e as trevas adensam-se.

Vão-se apagando todas as luzes  no teu cérebro de circuitos queimados, uma a uma esfumam-se, reminiscentes de poema moribundo, como campo de flores que tristemente chega ao fim.
A vida já não corre, o compasso de espera é um insuportável monumento ao absurdo, eu e tu ancorados na agonia do sem sentido.

Contudo, há que prosseguir. As horas soam num cântico mudo porque tudo é tão triste, sabias tantas coisas, alcançavas num ápice um sentido oculto da vida  e agoras perdes-te desnorteado, entre a patetice e a insanidade, viajante involuntário de um labirinto cuja existência determinaste com as tuas opções.
Os meus olhos seguem o rastro dos passos que não deste em prol da tua essência, os meus olhos-espelho de um gigantesco lago lacrimal, requiem de sonhos derrubados pela conspiração da vida que se não cumpriu.

Estou aqui, sou contigo, por opção. Poderia entregar-te a cuidados alheios, mas quem seria capaz de entender a súplica estrangulada, ambivalente, que o teu ser emite, a pedir vida e a pedir morte, numa agonia prolongada, onde conseguir o afecto das entranhas que o teu ser requer para uma pequena acalmia? Quem passaria a mão calorosa pela tua fronte transpirada, os olhos baços a recuarem para dentro de uma coisa que não sei definir mas que me amedronta?
Perante a desintegração, quisera ser muito mais mulher alquímica, atrair magicamente a vibração dos céus para o teu coração prostrado de inquietudes, restablecer a ordem nessa mente à beira do abismo, embarcar em mais uma das mil viagens que juntos fizemos durante a vida, mas desta vez  ao núcleo do teu ser essencial.  Suspeito, contudo, que esses são impulsos românticos, ancorados numa crença ultrapassada de varinhas mágicas e anjos salvadores.

Tudo quanto posso é acompanhar-te humildemente, aprendiza à força da minha própria imperfeição, da patética insuficiência do que consigo ser ante o terror dos precipícios que te assaltam. E sigo-te e amparo-te a sentir-me na perigosa linha da exaustão profunda, sem saber qual a cor da minha coragem e se é coragem, no final das contas.
Até que tudo se apague e te tranformes em cinza, húmus, depois em ramo, outra vez em flor efémera…

Quadro: Monserrat Gudiol 

1 comentário:

  1. "Tudo quanto posso é acompanhar-te humildemente, aprendiza à força da minha própria imperfeição, da patética insuficiência do que consigo ser ante o terror dos precipícios que te assaltam. E sigo-te e amparo-te a sentir-me na perigosa linha da exaustão profunda, sem saber qual a cor da minha coragem e se é coragem, no final das contas"...ou a incondicionalidade do Amor, feito das sete cores do arco-íris que em reUnião toca o Branco. F.L.

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