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domingo, 8 de dezembro de 2013

DE BOAS INTENÇÕES ESTÁ O INFERNO CHEIO


Só chegamos a aprender muito do que é importante sobre nós mesmos e a vida em geral com a passagem dos anos, a dureza de certas experiências e uma aguda e imparcial auto-observação.
Refiro-me às boas intenções que, uma vez passadas a actos que supostamente beneficiarão aqueles a quem se destinam, acabam frequentemente em desastre.

Através da minha existência, tenho-me visto vezes sem conta confrontada com os maus resultados da minha bondade, vontade de ajudar o próximo, aliviar-lhe o sofrimento, partilhar com os outros a maior ou menor prosperidade que me vai chegando, tornar minhas também as dores e aflições alheias para que mais suportáveis se tornem para os directamente atingidos.



Com o passar dos anos, muitos desenganos e, esperemos, a chegada de alguma maturidade fui tomando consciência do seguinte.



·      As dores e limitações dos outros não me pertencem e não sou por elas responsável.

·      Os meus impulsos de desenfreada bondade e partilha emergem provavelmente de um sentido inconsciente de culpabilidade por eu estar melhor que o outro, o que é totalmente irracional e injusto para mim própria. Cada vida alberga insondáveis mistérios e cada um colhe o que semeou ao longo das provavelmente múltiplas existências no universo (não só na Terra) e em consequência da pessoa humana que ora consegue ser.

·      As minhas boas intenções, por mais sinceras que sejam, uma vez materializadas em actos interferem amiúde com o caminho evolutivo do outro, retiram-lhe a capacidade de luta e criam-lhe a ilusão de uma força que afinal não possui. O resultado é um inflacionamento do ego com as consequências previsíveis.

·      Estranhamente, a dádiva acaba muitas vezes por provocar ressentimento, em vez da natural gratidão – a velha síndrome do “cão que morde a mão que lhe dá de comer”. Assim, o receptor vira-se internamente contra o dador em quem acaba por encontrar mil defeitos e, não poucas vezes, a obrigatoriedade de dar sempre.



Estas conclusões, integradas após uma vida de difíceis experiências, não me tornaram amarga. Continuo a acreditar na importância da dádiva, da solidariedade e compaixão, na justa redistribuição de meios. Mas essas práticas devem ocorrer com discernimento, ponderadas com honestidade as razões para a nossa actuação, analisados com isenção os contornos da situação que se pretende aliviar e, sobretudo, tida em conta a não interferência na evolução espiritual do outro.

Receio que este último seja o ponto em que mais falhei até hoje.

1 comentário:

  1. Confirmo, por ter experiência similar, há décadas.
    Mas com particularidades que revelam mecanismos básicos:
    - Ao conversar com alguém, eucidando um tema ou adiantando informação pouco conhecida, a reacção pode ser uma de duas: A recusa com agressão (havendo equivoco disponivel)... ou a subita auto-atribuição de competencia não existente (como direito de voto onde este não cabe), com a automatica atribuição à 'oferta' de se tratar de 'opinião' (não sendo entendido), ou de argumento de argumentação (como se tudo na vida fosse um jogo).

    E se por acaso, o inabitual do conversar com um anónimo, transforma-se numa ousadia que roça (aos olhos do ofertado) como um abuso de confiança, como tentando "vender algum peixe".

    Ou se por outro acaso, se trata de alguém conhecido superficialmente (como um vizinho), então nada do referido é válido, por "santo da casa não fazer milagres". Convém evitar o equivoco de não se tratar de milagres, mas de apenas do vulgar não oficializado.

    Então, alguém aperceber-se de algo, até obvio mas não no "toda a gente sabe que".... pode ser tido como um insulto ou outra coisa qualquer.

    Por exemplo: Para familiares relativamente próximos, o hábito de só comentar o que é conhecido e enendido leva a acusações do género (já os ouvi): "Tens a mania que sabes tudo"... quando a realidade é oposta, a noção do pouco, que de tão pouco... deve ser partilhado.

    Ou então, a deturpação da excentricidade natural, tornada (vista e apontada) como arrogancia... ou pior. E no meio disto tudo fica a questão: Num mundo em que todos mentem, a maioria sem ter consciencia que o faz, por apenas repetir o que ouve ou deseja... Valerá a pena qualquer esforço?

    Às vezes parece que sim... Mas demasiadas vezes parece que não.
    Por equivocos serem desejados, mais que tudo pela perturbação necessária.
    Mas teremos esses direito?

    Vendo as tendencias finais desta era...
    ... A alternativa seria bem mais grave.
    Mas não deveriamos sofrer por isso.
    E se sofremos, talvez seja inadequação.

    E melhor calar, apesar de a época exigir o oposto.
    E apesar do eterno julgar, à imagem do julgador.
    Melhor agir, e ignorar tais 'julgamentos', seguindo adiante.

    Ou não valeria a pena nascer aqui e agora, desperdiçado.

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